Sérgio de Castro Pinto
Se me questionassem a que se propunha o Grupo Sanhauá*, eu responderia: combater a poesia paraibana de então, geralmente edulcorada, cheia de efusões ingenuamente sentimentais, através de um discurso substantivo, antirretórico.
Creio que não pensamos num conteúdo programático a cumprir, pois a nossa poesia era muito mais fruto da prática do que da teoria. Ou seja, nos abeberávamos muito mais das fontes perenes da poesia do que da teoria literária em suas fontes.
Pois bem. Éramos demasiadamente jovens, não queríamos perder tempo em questionar a poesia a não ser dentro do poema, com exceção de Marcos Vinícius de Andrade, que também a questionava através de textos teóricos, didáticos, publicando-os na imprensa local e na revista “Couro” (Edições Sanhauá, João Pessoa, 1967) – porta voz do Grupo –, em que comparece com o ensaio “problemática e necessidade da poesia de vanguarda”, grafado em minúsculo.
Da revista “Couro”, da qual saiu um só número, o editorial denota mais uma preocupação de ordem social do que estética, o que não quer dizer que essa última também não fosse objeto de nossas reflexões. É que vivíamos em plena vigência da ditadura militar, e com um discurso panfletário, tribunício, acreditávamos esbofetear o rosto do tempo. Ou seja, não desejávamos incorrer em um dos equívocos de 22, que consistiu, segundo Mário de Andrade, em virar as costas às convulsões políticas e sociais que afligiam o Brasil de então.
As décadas de 1960 e 1970, aqui na Paraíba e em todos os quadrantes do Brasil e do mundo, foram marcadas por um arraigado sentimento grupal. Em João Pessoa, proliferavam grupos de artes plásticas, de teatro, de literatura etc., todos assíduos frequentadores da Bambu, onde as discussões, apesar de acaloradas, dificilmente resvalavam para o desforço físico, pessoal. As ideias é que se digladiavam, é que pugnavam, com argumentos cada vez mais belicosos, mais beligerantes. E tais discussões, quase sempre, eram provocadas pelo crítico e ficcionista Virgínius da Gama e Melo, que, atiçando, açulando, instigando, punha uns contra os outros, para, por trás das grossas lentes dos óculos, e disfarçando um sorrisinho maroto, acompanhar as contendas como um inocente e impassível espectador. Virgínius, esse enormíssimo Cronópio, ainda continua uma personagem em busca de um autor, sobretudo pelo seu lado boêmio, pelos seus tiques, cacoetes, pelo seu humanismo, pela sua obra ensaística e ficcional, pela sua voz metálica, de araponga: martelo a repicar na bigorna da garganta.
Não se pense, porém, que Virgínius semeava a discórdia e a maledicência entre os jovens que o rodeavam nas mesas da Bambu. O que ele queria, simplesmente, era agitar a vida cultural da província, suscitar polêmicas, réplicas, tréplicas, através dos jornais. Evitar, em suma, que a João Pessoa de então mergulhasse no profundo estado de letargia em que vivia imersa num passado quase recente. E fomentar ainda mais a efervescência da província que vivia a pleno vapor a revolução cultural dos anos 1960.
O fato é que, num Estado em que grassava uma poesia piegas, edulcorada, conservando ecos do parnaso-simbolismo, a Geração 59 e o Grupo Sanhauá, cada qual ao seu modo – e no contexto de suas respectivas épocas –, representaram um franco e consistente percurso ascensional da poesia paraibana. A primeira, através da reação; e Sanhauá, surgindo quatro anos depois de instaurado o movimento cujo principal líder foi Vanildo de Brito, consolidando a ruptura com a poesia então vigente, inclusive com a da Geração 59.
(Continua na próxima coluna)
*Pertenceram ao Grupo Sanhauá: eu, Marcos Vinícius, Marcos dos Anjos, Anco Márcio e Marcos Tavares. Desses, só restamos eu e Marcos Vinícius.
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