Por Jurandyr Navarro
O Memorial em questão aborda uma figura importante da política, ao longo da história. Teve vida tumultuada. Estudante ainda, já apresentava um perfil contraditório. Interessou-se, bem cedo, pelos negócios da política. Não como outros do seu tempo, bem nascidos, ilustrados com pronunciamentos pomposos na imprensa, em salões iluminados, diplomados em retórica e nas leis da Faculdade.
Café Filho seguia outro roteiro, porém, que confluia ao mesmo fim: apoderar-se do Poder, ou parte dele. Começou sua vida pública como muitos o fazem, libelando a injustiça social, o desregramento, a oligarquia. Discurso que agradava a plebe rude da época.
Foi panfletário, escrevendo e fundando jornais aqui, na Paraíba, no Recife, noutros lugares, no exílio, ou perseguido pela Polícia. Preso, cumpriu pena leve. Uma vez, foi obrigado a usar outra identidade no sertão baiano.
Não conseguindo diplomar-se em virtude da vida nômade que levava, mesmo assim advogava para os mais necessitados. Foi provisionado, causídico, em algumas Comarcas.
Assumiu a Chefatura de Polícia na Interventoria de 1930. Foi Deputado Federal.
Vê-se, assim, como a vida dar voltas e reviravoltas!
No Rio Grande do Norte fundou o Partido Social Progressista.
Quando Deputado Federal, em 1946, tempo da chamada redemocratização, foi considerado, pela imprensa nacional, como o melhor legislador do Brasil. Certa vez, fez um discurso na Câmara Federal, que derrubou um Ministro. Célebre ficou a frase de sua autoria: “Lembrai-vos de 37...” O ano que Getúlio consolidou o chamado Estado Novo, instalando também a Ditadura, que já se exibia disfarçada.
Em 1950, numa coligação partidária, Getúlio Vargas, candidato à Presidência, retornando do exílio voluntário, em terras gaúchas, “engoliu” o nome de Café Filho para Vice na sua chapa. Vitoriosos, Café se investe na Vice-Presidência.
Pouco tempo depois, com o suicídio de Vargas, assumiu como Primeiro Mandatário da Nação brasileira.
O presente Memorial, que tem o seu nome, foi constituído no parque “Dom Nivaldo Monte”, pelo atual Prefeito de Natal, Carlos Eduardo Alves, no ano de 2015, sancionando o Projeto de Lei, proposto pelo Vereador, Júlio Protásio, inteligente edil e um dos mais destacados da nossa cidadania. A feliz lembrança reunirá para o cultuamento da memória do político natalense, que, até o presente momento, foi o único riograndense a galgar a Presidência da República.
O seu espaço conterá a sua trajetória político-partidária, a vida de cidadão comum, em nossa querida Natal. Fotos e imagens outras ilustrarão, na tela do tempo, a passagem tumultuada de um político que venceu, enfrentando dificuldades de toda sorte para, finalmente, consagrar-se vitorioso.
Audácia, audácia sempre, foi a senha do seu triunfo!
Portou-se como o mais obstinado e audacioso líder popular.
Alimentava o sonho político com a bravura da sua audácia.
“Audácia, ainda audácia,
Audácia sempre”,
cantou Danton, a voz de fogo da Revolução Francesa.
E o grande Virgílio da epopéia latina, gravou com seu estilete de ouro a máxima.
“Audaces fortuna juvat”.
A sorte, realmente, ajuda aos audazes. E não alcança a glória o que se exime de lutar por um ideal.
Nascido pobre, no pobre bairro das Rocas, João Café Filho chegou a ser o Primeiro Mandatário da Nação Brasileira.
A quanto chegou a sua audácia!
Chefe de Estado, fez uma visita a Portugal, onde discursou em diversos auditórios, representando os brasileiros. Destaco trechos de sua eloqüência no chão sagrado de Coimbra, berço da famosa Escola de ensinamentos sábios.
No exórdio do seu pronunciamento retórico assim se expressou: “O contato com esta Universidade tão célebre e com esta cidade tão rica de tradições tem um poder sugestivo que emociona e perturba o visitante, deixando-o perplexo de tantas ideias e emoções. Penetra-se em Coimbra como quem entra num mundo de relíquias dignas de amor e respeito. Mas logo a visão de uma atualidade brilhante, de que esta reunião é um índice tão expressivo, proporciona a sensação de uma continuidade da gloriosa que vem de muito longe e que as nossas gerações timbram em cultivar, com um fervor que não arrefaceu, através de sete séculos.
Há em Coimbra um sentido de eternidade, que desafia o tempo... A mística da inteligência acabou por transformar esta Universidade numa cidadela imperecível”
Fez ele, na terra de Camões, na sua visita, em 1955, outros pronunciamentos que se estenderam à Assembléia Nacional, à Câmara Coorporativa, no contato com a Imprensa, no Palácio Queluz, na Câmara Municipal de Lisboa, em saudação ao então Primeiro Mandatário da nação luisitana, Craveiro Lopes, no Palácio da Ajuda, e noutros auditórios.
O nosso político “Canguleiro, amargou decepções, na sua agitada existência, mas também cantou vitórias, saboreando-a, em desabafos, por vezes, de fino humor, como se constata na passagem que se segue, contada por Nilo Pereira, intelectual ilustrado da nossa literatura, seu admirador político, alguns anos mais jovem que ele. Narração de um de seus livros memorialistas, de um fato relacionado com Café Filho, que o tornou inesquecível por revelar as surpresas da vida:
“Foi em 1930 que conheci João Café Filho. Ouvi, por algum tempo, a sua palavra de advogado, em Júris, realizados em Natal, era um orador eloquente, dotado de grande capacidade polêmica.
Sabendo-o preso, fui visitá-lo numa casa humilde, no bairro das Rocas. Encontrei-o sentado num tamborete, sentinela à vista. Achou, que eu estava me arriscando, mas agradeceu a visita.
Muitos anos depois, já Presidente da República, veio a Natal. Fui um dos seus convidados. Constava no programa oficial uma visita às Rocas. O Presidente deu-me a honra de ir com ele no carro oficial. Diante da casa, onde esteve preso, mandou parar o carro, saltou e me perguntou com muita humildade:
Lembra-se, Nilo?
Lembro-me, Presidente.
Dentro da casa uma anciã enxergando mal, procurando divisar bem o Chefe da Nação, exclamou:
“Seu” João está tão moço!
A expressão simplória dava bem a medida do líder popular, que revolucionou Natal com seu Sindicato onde está instalado hoje o Museu “Café Filho”.
O Memorial em homenagem ao seu nome servirá para imortalizá-lo, já que o mesmo reunirá o inventário das suas ações e procedimentos, na tumultuada vida pública, que levou, assim como lembranças pessoais, documentos, fotos, discursos e pronunciamentos outros, próprios de quem exerceu mandatos em nome do povo potiguar e brasileiro.
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