Por Valério Mesquita*
01) Anos sessenta, um repórter atrevido perguntou ao deputado
Djalma Marinho, o que ele achava da “pérola” do então governador Dinarte
Mariz, “Todo homem tem seu preço...”. Djalma econômico e reticente:
“Concordo em parte. Quando a mercadoria é fraca e perecível, nem sei se vale
à pena etiquetar”.
02) Dava-se início à campanha para o governo e Djalma Marinho,
candidato da situação, visitava vários municípios. Em Angicos, o líder
Vanderlinden Germano, conseguiu aprovar na Câmara Municipal o título de
cidadão angicano para Dejinha. Dia da entrega, com o salão nobre lotado, José
Barbosa, o Zé Doido, vereador, líder dele mesmo, dava início ao seu discurso,
jogando confetes no homenageado. Proclamava, a certa altura: “Doutor Djalma
Marinho! Nessa noite de gala, nós angicanos estamos felizes porque Vossa
Excelência é um de nós. Vossa Excelência é incrivelmente doce, surreal,
inesquecível, transcendental, e coisa e tal...”. Depois de uns segundos, Zé
Doido surpreendeu a todos: “Tá... Deu um branco em mim!!...”. Djalma
cochichou com Vanderlinden: “Pega esse microfone, antes que essa “figura
mediúnica” enegreça o ambiente”.
03) Começava a peregrinação pelo interior. Djalma Marinho
disputava uma cadeira no Senado contra o “marinheiro” Agenor Maria. Parecia
fácil, mas Djalma levava a coisa na maior seriedade. Em Currais Novos, a
caravana vermelha quase acabava a feira. Era carreata, caminhada, aquele
cansativo corpo a corpo. Um vereador local não desgrudava o pé, colado em
Djalma. “Aqui é o nosso “senadô”, nosso “prefessor”!, frisava o edil,
apresentando o candidato aos amigos. À noite, a cada pausa oratória que
Djalma fazia, o vereador gritava: “Viva o “prefessor”! Já ganhou! Já ganhou!”.
Isso já doía aos ouvidos de Dejinha. De volta a Natal, um amigo comentou:
“Que vereador chiclete aquele, hein? Chato todo!”. Djalma, ainda incomodado
pela lembrança, fechou o firo: “Se eu fosse o “prefessor” mesmo assim, na
escola dele eu não iria lá...”. Nota zero até imaginariamente.
04) O inesquecível deputado Djalma Marinho era por demais
admirado na Câmara Federal pela sua cultura jurídica e humanística. Quando
ingressava em qualquer recinto da Casa, era logo cercado e interpelado para
dirimir dúvidas e opinar sobre questões. Certa vez, entrava no restaurante do
edifício quando logo foi avistado e indagado por um grupo: “Deputado, venha
aqui, por favor, para trazer as suas luzes”. Djalma, não dispondo de tempo,
afastou o cigarro da boca para assim explicar a pressa: “Hoje não, estou em
black-out...”.
05) A campanha senatorial de 1974, a cada dia, esboçava uma
nova fisionomia. Agenor Maria, um tanto bisonho, sem cultura e sem dinheiro,
no entanto, crescia a olho nu. Os correligionários de Djalma Marinho, não
entregavam os pontos. Certo dia, um amigo comum simulou uma premonição:
“Vai acontecer nesses dias uma grande adesão a sua candidatura, Dejinha!!”.
Djalma, sereno, fechando um livro de Ernest Renan, recitou: “Não me roubem
a solidão sem antes me oferecer uma verdadeira companhia”. E acrescentou:
“E que seja leal e sincera na alegria e na dor...”.
06) Nos anos oitenta, falavam no país sobre a atual conjuntura
econômica, política e social. Djalma Marinho, bastante respeitado, procurava
estimular os seus pares: “Tem que acreditar. Vai melhorar sim”. Um amigo
comum comentou: “Mas Djalma, inocente, você não é. Como cabe tanto
otimismo em você? Você acredita que vai melhorar mesmo?”. O deputado foi
didático: “Meu filho, num país que tem Brizola em um extremo, Maluf no
outro e Arraes no meio, alguém tem que acreditar que um dia vai mudar para
melhor. Esse alguém cheio de crença sou eu. Não abro mão!”. Um colega
parlamentar do Rio Grande do Norte completou: “É, Dejinha tá certo.
Pensemos no futuro. As cartas não mentem jamais – no bom sentido, no bom
sentido...”. Fechou, para risos generalizados e do próprio Dejinha.
07) O deputado Djalma Marinho havia retornado de uma viagem à
Europa e quando exibia a um grupo de fumantes o lançamento de nova marca
de cigarros chegada ao Brasil, foi interrompido pelo mineiro Milton Campos
recém-incorporado ao grupo e logo lhe pediu um cigarro: “Milton, esse cigarro
é um produto que a Souza Cruz está produzindo na nova fábrica em Nova Cruz
(RN) e me enviou um pacote especial para saber qual minha opinião”. A partir
desse dia, o grande Milton Campos quando queria filar um cigarro de Djalma,
dizia ao pé do ouvido do colega potiguar: “Djalma, você ainda tem aqueles
cigarros de Nova Cruz?”.
08) Djalma Marinho certa vez, compareceu a um concurso de miss
em Nova Cruz. Deputado federal, patrono da festa, filho da terra, não podia se
furtar a uma foto ao lado da moça vencedora. Dias depois, em Natal, alguns
amigos mostravam a fotografia da exuberante jovem e a ameaça de levá-la a
D. Linda, sua mulher. Resposta de Djalma: “Vão. Mostrem a foto. Linda não
acredita em ressurreição!!”.
09) Antes do embate pela presidência da Câmara Federal, Djalma
parecia ser o mais cotado aos olhos da imprensa nacional. Vez em quando, era
entrevistado por jornalista que também o admiravam desde o episódio famoso
da cassação do deputado Márcio Moreira Alves. Não tendo mais nada a
inquirir, uma jovem repórter foi levada pela curiosidade: “Deputado, o senhor
está usando meias brancas com sapatos sociais pretos?”. Suspendendo um
pouco as calças, com ar de leve sorriso, ponderou: “Minha filha, não presidirei
a Câmara com os pés...”.
10) Outra do grande Djalma vem dos longínquos anos setenta.
Candidato a deputado federal, chegava ele da estafante maratona pelo interior
à sua casa da Prudente de Morais, Q.G. de tantas lutas e hoje Edifício Djalma
Marinho. Cansado, sem querer ser incomodado, e imaginando a casa cheia,
manda o motorista se certificar do ambiente. “Dr. Djalma quem está lá é só
Pompeu, D. Linda e o pessoal da casa”, informa o motorista. Djalma leva as
mãos à cabeça, aponta para frente e exclama: “Pior que cem pessoas. Toca pro
Samburá. Pompeu é o próprio tumulto. Deus salve Linda!!!”.
11) O jornalista Vicente Serejo passou-me esta história ocorrida
numa tarde verânica natalense. Na avenida Rio Branco, Cidade Alta, acontecia
a inauguração da nova agência do Banco do Brasil. Presente, o mundo social,
político e empresarial do estado. Durante os discursos, o então prefeito de
Natal Jorge Ivan Cascudo Rodrigues descobriu, ao seu lado, que algo poderia
acontecer de pior ao deputado federal Djalma Marinho. O alcaide revelou-se
providencial: “Doutor Djalma as cinzas do seu cigarro estão caindo sobre o seu
terno!”. Djalma, sem perder a mansidão da postura, ponderou profético: “Meu
filho, não se preocupe. Esse é o único fogo que ainda me resta”.
(*) Da Academia Norte-Riograndense de Letras
Cadeira 21